Estão a dar que falar!
Um jornal dinamarquês publicou cartoons que gracejavam levemente com as idiossincracias do Profeta Maomé. A ideia era mostrar aos assassinos de Theo van Gogh e Pim Fortuyn que não tinham conseguido transformar os livres jornalistas da Dinamarca em criados mudos do fanatismo islâmico. Mas esta tímida diligência ocasionou entre os berberes uma histeria incontrolável, que conduziu ao fecho da Embaixada da Líbia (uma tragédia para os dinamarqueses), a um voto de protesto no parlamento do Iémen (qual parlamento do Iémen?) e ao regresso a casa do embaixador Saudita e das suas inconsoláveis mulheres. Os bonecos, diga-se em prol da verdade, são tolos e sem graça. Mas isso não é razão para onze países muçulmanos enviarem uma queixa à ONU. O que esperam eles, que siga para o Conselho de Segurança, juntamente com o dossier atómico do Irão?
4 Comentários:
Quando se instiga o ódio da forma mais desleixada e ignorante, como aconteceu com as caricaturas de Maomet, só posso pensar que estes idiotas sabiam perfeitamente que iriam ganhar umas boas massas com a publicação destes desenhos, mas que mal sabiam a revolução que estavam a criar. Receio que agora não há país na Europa que seja menos odiado. Estamos todos rotulados como anti-islamitas.
Liberdade de expressão...
Os dinamarqueses, depois de terem interrompido o processo de ratificação da Constituição Europeia, recusando realizar um referendo popular em que venceria o "Sim", posição defendida pelo Governo e parlamento, voltam a dar uma lição de democracia ao mundo ocidental.
1. O título do texto de opinião do director da revista islâmica portuguesa Al Furqán, Yiossuf Adamgy, hoje editado no Público a propósito da polémica sobre os cartoons publicados na Noruega e na Dinamarca, é este: “A liberdade de expressão deve ter limites”. Trata-se de um título inequívoco a respeito do que significa a liberdade de expressão do ponto de vista oficial islâmico. “Deve” é o verbo decisivo na frase do título, significando a norma política que os muçulmanos, tendo o poder, impõem a partir do dogma religioso que é o seu. Do ponto de vista de Adamgy, que não é o ponto de vista pessoal de Adamgy mas o do dogma islâmico que Adamgy representa, não deve haver limites para o poder dos dogmas religiosos (o problema nem se lhe põe), só os deve haver para a liberdade de expressão. O Ocidente passou — ou ainda passa — por um processo histórico hiperbolicamente designado por “Iluminismo”, ao longo do qual a tolerância e a liberdade se tornaram princípios de orientação e de conduta superiores às exigências de respeito pelo dogma religioso que, durante 1700 ou 1800 anos, se impôs a ponto de o Ocidente ser globalmente designado e conhecido por Cristandade. O senhor Adamgy e seus parceiros dirigentes muçulmanos por todo o mundo mostram uma inteligência profunda das implicações desse processo. O cartoonista que desenhou Maomé com uma bomba na cabeça não lhes fica atrás.
2. Invocar a responsabilidade como limite que deveria ter impedido os jornais escandinavos de publicar os cartoons e o próprio cartoonista de os desenhar, como ouvi o director do Público fazer esta manhã no Fórum TSF (repetindo, aliás, o que escreve no seu editorial de hoje), é de todos o argumento mais inquinado com que se intervém nesta polémica. A responsabilidade, vista assim, significa cálculo de oportunidade política, por sinal uma prática muitíssimo visível nos hábitos que aquele jornal adquiriu desde que é dirigido por quem é. A responsabilidade que incumbe a quem defende a liberdade de expressão é uma responsabilidade ilimitada pelo exercício dessa liberdade, não é a gestão casuística das conveniências e inconveniências que dela resultam. É por isto que o jornalismo se mostra hoje, ao mesmo tempo, domínio imprescindível para a concretização da liberdade de expressão e terreno profundamente minado onde essa liberdade entra em conflito com poderes inumeráveis.
3. Não por acaso volta a ser a sátira o casus belli deste vendaval. A sátira e a caricatura são práticas da tradição artística e literária. Podemos discordar da iconoclastia implícita na atitude do cartoonista mas, muito antes de a liberdade de expressão se tornar um valor político no Ocidente, a arte e a literatura consagraram a liberdade de se ser iconoclasta em paralelo à liberdade de criar novos ícones. O lugar do ponto de vista artístico na imprensa contemporânea é, a despeito das aparências, reduzidíssimo, sendo o cartoon o emblema dessa presença residual. A ligação do cartoon à tradição cómica — com a sua irreverência constitutiva — é inseparável da reacção política, tanto islâmica como ocidental, à imagem de Maomé com uma bomba na cabeça.
4. Os dirigentes islâmicos e ocidentais (estes últimos com excelentes razões para se preocuparem com a má disposição dos primeiros) não deveriam esquecer-se de que há muito quem não tenha esquecido a fatah lançada contra Salman Rushdie e os seus Versículos Satânicos. Um escritor viveu anos sob ameaça de morte por causa de ter escrito um livro. Há escritores e intelectuais presos e perseguidos por motivos semelhantes em países de orientação islâmica. Há, pois, motivos para pensar que a mão do cartoonista não agiu sozinha: muita gente, incluindo uma boa dose de dirigentes islâmicos, pôs aquela bomba na cabeça de Maomé. E, se o Islão determina que Maomé não tenha rosto nem cabeça, pense primeiro no rosto e na cabeça de quem tem direito a ter uma coisa e outra. A ver se, ao menos, conseguimos ler o jornal em paz.
Adenda: Também estou capaz de concordar com o Groucho, quando me diz que era escusado afixar aqui um cartaz tão extenso, bastando, em vez, subscrever estas palavras.
Caricatura:(desenho, descrição, etc.) retrato de pessoas ou acontecimentos que assenta no exagero cómico de alguns dos seus traços distintivos.
Por causa da polémica publicação das caricaturas, andei saltitando de blogue em blogue, de link em link e a preocupação com a liberdade de expressão é geral. Meu deus! Será que me devo preocupar também?
Será que ninguém entende que, dada a gratuitidade dos desenhos, a sua publicação atingiu os seus objectivos, que serão os de lançar mais uma acha para a fogueira?
Caricaturar, pensava eu mas devo estar enganado, é acentuar através do desenho os aspectos negativos de alguém. Ora o tal profeta não era favorável ao terrorismo, daí que eu condene as caricaturas. E tem mais: caricaturar alguém sem motivo não me parece correcto. Ou será que o motivo existe e eu não o encontro? É caso para dizer que a montanha foi a Maomé.
Por acaso alguém se questionou sobre a errada opinião, a que somos levados a formar em torno da figura caricaturada?
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