Repartição Pública
Gosto de observar as pessoas (de uma forma discreta) quando estou na rua. Hoje, por motivos pessoais, fui a uma repartição pública; depois de retirar a senha de atendimento sentei-me numa cadeira encostada à parede, mesmo a do fim das infinitas filas à minha frente.
Estava fresco, mas não ali. Os funcionários e os utentes do serviço aguardavam o encontro que iria permitir que mais uns minutos do dia se convertessem em papéis para um e num assunto resolvido para o outro. Estávamos todos voltados para os balcões de atendimento, onde, serenos, os funcionários nos miravam enquanto pressionavam o botão que a nós nos cantava ao ouvido, menos um... menos dois. A sala estava envolta numa temperatura amena, e ao contrário daquilo que acontece noutros serviços, ninguém falava alto, não havia gente de pé, éramos poucos, nem papeis sobre os tampos das secretárias existiam, tudo muito organizado. Mesmo à minha frente estava uma rapariga punk de cabelo rapado e cinto de picos, um pouco mais à frente atrás do balcão, um funcionário pouco mais velho que a rapariga, bem penteado, bem engomado e muito direitinho, com o dedo no botão pressionava, pressionava e olhava para ela com um ar absorvente até para o ar a mesma respirava, havia um ar de fascínio no olhar daquele homem, era como se ela tivesse algo que ele nunca havia possuído, rebeldia!
Mirava-a discretamente como se o corte de cabelo ou cada artefacto lhe soasse a liberdade! Imaginei aquela mulher a estender a mão, e vi-o dar um pulo e atravessar o balcão em busca do que não tem.
Também o imagino agora à noite de pantufas no sofá da sala (que está coberto de rendas) a ver as últimas notícias (numa televisão que serve de poiso a diversos” recuerdos”, entre eles um que diz " SOUVENIR DE ESPAÑA" numa capa segura por um toureiro de loiça). Vejo a sua mãe de roupão com uma ceia num tabuleiro e que lhe diz: " Carlos, tens aqui o leite e uma torradinha, já te preparei a roupa para amanhã. Queres que a mãe te arranje dois iogurtes e uma bananinha para levares para o emprego?"
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